A névoa da noite mesclava-se ao brilho radiante da luz da Lua. Um belo cenário a ser apreciado por dois, pena ser apenas um. Não, as horas avançaram e os residentes se recolheram aos devidos aposentos. Já devia ser de madrugada, não? A energia fervilhava dentre as veias do rapaz, o sangue se movia em alvoroço — a ansiedade o perturbava por essas horas, já era de costume. Com papéis em mão, documentos para leitura, tentava distrair os pensamentos. Porém, nada desviava a atenção do loiro Oesterlen da presença do outro lado da parede. Inclusive, ele sentava-se no chão de encosto ao frio plano nas costas apenas para sentir a energia emanada por ela atravessar o material e confortá-lo.

O suspiro dele findou ao silêncio. As têmporas doíam um pouco, se viu na necessidade de cutucá-las com as pontas dos dedos. Era preciso agir — o fez — senão seria atormentado pelo restos dos dias em vida. Já ereto, os pés andaram um passo por vez. Apesar de evitar fazer quaisquer ruídos, de nada adiantou. Diante a porta de madeira que selava seu destino, tocou na maçaneta. A girou uma vez, mas não duas ou três. Emperrada — algo a travou, ou alguém. Utilizando da força física, então enxergou do que se tratava.

Antes que pudesse proferir uma fala, a rejeição se mostrou clara como a água. Afirmava estar tranquila, passando bem a noite. Farejava a mentira no ar, o suficiente para franzir os olhos ao percebê-la. Deu de ombros, pensativo no que fazer. Certo. Soltou a maçaneta dentre os dedos, assim como não relutou contra Rowena. Não seria com base na força — independente de qual — que a ganharia. Aguardou por uns minutos de pé. Depois, trocou a posição para sentar novamente, e de novo recostado na parede mais próxima.

O cérebro recapitulava imagens perdidas do passado. Cerrando a boca, maxilar trincado, pensativo. As pálpebras dormentes não sentiam o sono, em decorrência do nervosismo. A apreensão o fodia mentalmente em níveis indescritíveis. Recolhendo os joelhos à altura do rosto, repousou o maxilar sobre. Relembrar do passado trazia um gosto amargo ao paladar do Oesterlen, engolido em secos — tão secos que causavam a sensação de entalar no meio caminho da goela. Se repreendia com o comportamento infantil de anos atrás, talvez se não o tivesse, evitaria toda a situação de negação.

Contudo, a queria. Uma obsessão — um sentimento intenso, do qual não conhecia métodos para lidar. Mais de uma década imaginando o presente e ele era uma fatalidade, uma muro construído entre dois mundos como o primeiro Weingarten fez. Outro suspiro, esse esvaziou os pulmões por completo. Nem se incomodou com a ausência do oxigênio, apenas no momento em que a face esbranquiçava. Quis se distrair, então brincou com os dedos. Os batiam em um sólido qualquer a fim de provocar sons com o impacto. Era uma melodia sem ritmo, mas o bastante para acalentar os ouvidos e alma.

Nada o fez tão feliz quanto o rangido característico do outro lado, diante dos olhos do homem. A iluminação detrás só o permitia vislumbrar a silhueta em sombras, mas a reconhecia de todos os modos e cantos. Ergueu os olhos. Os lábios eram preenchidos com um pequeno risco sem esboço, ou reação — a escondia bem. — Não sei pra quê faria isso, iria gastar mandando consertar. — Refutou o comentário alheio com a mesma firmeza na voz utilizada. — Fora que seria um tanto quanto desnecessário. — Elevou o olhar para cruzar com o dela, mesmo notando a relutância dela em o fazer.

A convivência de anos o fazia perceber traços de Rowena que jamais um outro pôde querer, ou teve possibilidade. — Sempre piadista, não é? — Se referia ao sarcasmo contrastando as falas da princesa e o fato de ter sido chamado de "plebe". — Você bem deve saber que sou tão rico quanto você. — Ergueu uma das sobrancelhas. Ironia também era um forte nele, especialmente para instantes como em questão. — A sua casa é há poucos quilômetros daqui, consegue vê-la se da janela do quarto. — Não só ousou se pôr de pé como em andar até o interior do cômodo, atravessando a lateral de Weingarten. — Mas, você sabe que sua mão foi entregue a mim conforme pedi. — Aconchegou-se em cima das cobertas. Deitou as costas, unicamente elas, no tecido enquanto as pernas apoiavam-se ao chão.  

Instigado com o tempo, olhava para o teto. Perdeu a conta dos segundos de olhar fixo, de olhar perdido no plano reto. Intrigas no interior o abalavam mais do que transparecia — diga-se de passagem, sempre atuou muito bem. A neutralidade na voz deslizava através do seco entalado na garganta. A situação, ele a comprou. O egoísmo de sua decisão, um simplório desejo ardente e um destino que jamais terá: felicidade ao lado dela. Os dentes rangiam, assim adiantava a repreensão.

O sarcasmo da alheia, nada além de consequência aos seus atos. A roubou da vida rotineira, a largou em aventuras paradisíacas a contragosto da mulher. Não necessitava de afirmações faladas, ou sequer de frases explícitas, ele via a sensação de saudade detrás aos palavreados. Ergueu a coluna, ergueu a cabeça, ergueu os olhos. Rowena admirava a janela apontada, caçava o prédio em que cresceu. — Não há mais o que fazer. Está feito. — O peso na voz o fez pesar no olhar cabisbaixo. Digno de pena? Jamais. Respirando o ar, ajeitou a postura.  

— Já não está na hora de parar de criança rebelde e aceitar a realidade como é? — Incisivo, fez pressão. O questionamento visava afrontá-la, assim como os comentários dela. A fitava, na medida do tempo, pelos cantos e piscava em poucos intervalos.  — Não sendo eu, ia ser algum outro aí de Calipso. — Pés novamente no solo e ereto. Uma perna por vez, passeava o caminho que o conduziu ao lado dela. Parou ao lado. A curiosidade o tomou, a olhou com outros olhos. A Weingarten deixou de ser uma menina, analisava perfeitamente isso. Cogitou a morder os lábios, só não se deu ao luxo.

Sério outra vez, cruzou os braços. Na parede ao lado da janela — onde ela jazia intacta —, se apoiou pelas laterais. — Olha a vantagem. Você me conhece bem e eu conheço você igualmente. — A suavidade nas falas voltou, a intenção do homem era convencê-la dos benefícios do casamento. — Não somos mais crianças, não tem porque ficarmos de birra um com o outro. — Engrossou, queria realismo.

O episódio por extenso, exaustivo para a consciência do Oesterlen. Incômodos assolavam os interiores da cabeça, em especial nas têmporas. Marteladas na porta, batidas de sono e olhos fracos. As pálpebras ameaçavam se fechar, algo com que ele relutava o máximo. Bocejo interrompido com a palma em frente à boca, o ruído sequer saiu de tão abafado. A discussão longa o roubava as energias a essas condições frágeis. Mas, qualquer desfecho com Rowena Eve Galliard Weingarten, ele quem comprou essas brigas e palavreados petulantes.

A língua lambia os lábios secos, enquanto levava os dedos aos olhos. Coçou as proximidades com o nariz daquela região, movimento de impaciência ou mesmo desinteresse em manter a cena. Ao menos, mantê-la de jeito competitivo e irônico. A aleatoriedade no riso alheio o obrigou a franzir a tez, isso nos momentos em que a atenção retornou a figura dela. Piada sem graça, claramente. Comentários desnecessários, mas enfim. — Eu sou mais bonito que os demais. Seus olhos podem comprovar essa informação. — Resposta apropriadas para as ações dela: o observá-lo com a esmera atenção, cada milímetro nele. Ofertou um riso contido e correspondeu ao de antes.

Como passos de felinos — sorrateiros e letais —, a de cabelos escuros avançou. O menino cogitou a recuar, evitando movimentos bruscos para trás, ao notar o rumo trajado até ele. Próximos o suficiente, era visível a clara diferença de alturas dele, o forçando a descer o olhar e acompanhar. Identificou o sorriso recheado de más intenções, sabendo que nada de bom viria dele. — Não sei no que exatamente você é melhor do que eu, princesinha. — Conveniente usar o apelido e usando de deboche na voz. O substantiva significava um burguês indefeso, algo que a Weingarten jamais quis ser.

— Ahn? — Ombros erguidos, não compreendeu. Talvez descrente do que a audição captou, piscou centenas de vezes até o cérebro processar as informação. — Você, por acaso, sabe que essa cama... Essa cama aí onde deitou o lindo traseirinho. — Diminutivos, mesmo efeito de gozar. — Ela é minha. Não. O quarto todo é meu. — Reinventou a colocação, enquanto abria os braços e mostrava o seu mundo. Descendo novamente, o caminhar o levou aos pés da cama. — Vai pro lado. — Engrossou a fala outra vez. — Preciso de um canto para dormir também... E nem se preocupa, antes de tocar em você, eu ainda fico com a minha dignidade.

Sobrancelhas se ergueram de instantâneo. Ela aceitou a companhia dele na cama? Isto é, nos modos ignorantes nas falas da mulher, mas não foi uma completa rejeição. Ofensas e comparações, nada com que a audição de Elliot se importou em escutar, ou se daria ao luxo do feito. A visão percorreu a si mesmo, verificou as vestimentas. Tecidos finos e confortáveis, dignos ao horário de sono. Assim, na margem do leito, girou-se no eixo e sentou-se de costas a ela. A Weingarten deitou-se de lado, ele fez o mesmo e de costas a ela — deduziu que seria algo que ela viria exigir em eventualmente.

As pálpebras não pregavam, a inquietação não concedia essa permissão. Repousou a cabeça no braço, enquanto o outro se abraçava. Calafrios de frio da época, a necessidade de calor. Minutos se passaram de silêncio e o loiro manteve-se com o olhar inerte, mirava um canto qualquer do quarto. Por mais que tentasse, nada de conseguir dormir. — Rowena. — A chamou. O nome da menina não foi chamado com a mesma energia de antes, soava com suavidade e contido, afinal, tratava-se do sussurro. — Já dormiu? — Se moveu, o suficiente para fitá-la sobre os ombros e a imagem responder pela pergunta.  

Tornou ao movimento de giro, então para estar totalmente defronte. Nem mesmo as frases foram capazes de desprendê-la do mundo de Morfeu. Diferente dele, aparentemente a de cabelos escuros dormiu. A atenção de Oesterlen se colocou unicamente em acompanhá-la, guardá-la e protegê-la enquanto estava imersa no descanso merecido. — Como é linda. — Murmúrios sem som, apenas com os lábios mexendo-se por conta própria. Observava aos lábios dela nesse meio tempo, um leve mão entre eles. Queria beijá-los, porém se conteve ao engolir o excesso de saliva na boca. Devia compartilhar. Mas, os dedos agiram aleatoriamente. Dedilhavam a lateral do rosto dela em deslizes fracos. Uma carícia.