Tempo atrás o The Drunk Duck Pub havia servido como uma espécie de abrigo para Sammy. Ele havia marcado de ir até lá se encontrar com um dos clientes do seu irmão. Um cliente de Calipso. Odiava aquela gentinha, mas, não sabia dizer não as pessoas. Poderia considerar que esse era o seu maior defeito, porém, não se envergonhava dele.

Aquele dia certamente havia sido muito estranho. O homem que fechara negócio com seu irmão tinha grandes posses, ele sabia, pessoas de Calipso não andavam por aí com pouco dinheiro. E ele bem sabia que seu pescoço estava em jogo quando foi ali se encontrar com alguém que claramente poderia denunciar seu rosto, mas, tampouco sentia medo das grades. O que mais o surpreendeu não foi o fato do homem ter se recusado a pagar, mas, mas o fato da dona do bar intervir e, digamos assim, salvar a sua pele. Era uma boa jarra de barro e acabara por ser despedaçada em encontro com a cabeça do indivíduo. Um sorriso não pôde deixar de ser desenhado nos lábios do ruivo ao se lembrar. O resto da noite também havia sido bem memorável, Sammuel havia conhecido a ala vip do bar e havia gostado bastante, claro que deixando um pagamento pela jarra, mas, certamente, aquilo não era nada comparado ao fato de que ela ajudou a salvar sua própria pele.

Caminhando nas ruas dali, sentindo o metal das armas de encontro a sua pele por baixo da jaqueta, ele se sentiu sozinho. Queria alguém para estar consigo. Não para beijar, transar ou nada do tipo. Queria conversar. As coisas que passavam por sua mente estavam deixando-o bastante aflito. Dean estava muito ocupado com o próprio negócio, fugindo de possíveis homens que quisessem arrancar seu pescoço fora. Ele compreendia.

Seus pés o traíram e o levaram até o bar dela. Agněs.

Suspirou profundamente, praticamente se arrependendo de estar ali, mas, deu de ombros e empurrou a porta, caminhando tranquilamente até o balcão e sentando-se ali em um banco de mogno. Violet, a atendente, caminhou até ali, seu semblante mostrava que ela se lembrava dele. O jovem suspirou e pediu uma boa dose de whisky, não muito afim de recordar os acontecimentos passados.

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O líquido amadeirado e o cheiro do lugar estavam lhe trazendo as lembranças daquele dia. O rosto do comprador, o pedaços de barro depois que ela o acertara. Tudo parecia erroneamente recente, aquela sensação de que tudo se repetiria batia forte de encontro ao seu peito, a vida que ele levava não era algo que se orgulhava, mas, se precisava daquilo para sobreviver, quem poderia julgá-lo? Suspirou e deixou que seus dedos tamborilassem no tampo do balcão, fazendo soar um som abafado. Ele bem lembrava do rosto de Violet, mas, ainda não tinha visto a peça ilustre do bar. Se perguntou se ela ainda estaria por ali, como esteve anos atrás. O contato havia sido perdido desde aquele dia e tudo o que ele havia deixado para trás era uma adaga furta cor, que, talvez, ela tivesse deixado largada por algum lugar.

Bebeu mais um gole daquela bebida, imaginando se antes do mundo acabar, ela já era fabricada, e, se era, se tinha aquele gosto de ranço ao qual estavam acostumados. Era bizarro pensar que as pessoas, um dia, viviam num conforto e num mundo onde tudo era mais livre e tranquilo, e que, mesmo assim, reclamavam, não davam valor as coisas nem ao mundo que tinham. Bebeu mais um gole de álcool e deixou o copo vazio sob o balcão, deitando o rosto sob os braços. Seus pensamentos eram confusos. Dean queria ir atrás do assassino de seus pais, iria se machucar se fizesse isso. Ele queria acompanhar mas ao mesmo tempo sabia que não devia. Tinha de estar perto para quando Sylas fosse solto. Ou melhor, para quando Sylas fugisse.

Seus pensamentos foram cortados quando uma voz feminina lhe pronunciou a palavra. Voz essa que ele já conhecia muito bem, de anos atrás, daquele mesmo lugar, e, diga-se de passagem, de uma ótima noite.

— Você nem tem ideia do quanto. — Sorriu de canto e ergueu os olhos para observá-la.

Agněs. Seus cabelos loiros, pele branca feito porcelana, fios dourados como ouro no lugar dos cabelos, corpo esguio, orbes azuis ou verdes, quem sabe? Eram praticamente furta cor. Seus lábios róseos e o sorriso inconfundível estavam presentes ali. Parecia, de repente, que nenhum dia havia se passado desde o último encontro.

— Espero que não queira cobrar pela jarra de barro.

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A menção feita ao preço da jarra parecia ter despertado uma boa lembrança nela, praticamente divertida. Talvez fosse algo que trouxesse sorrisos ao semblante de ambos ao ser mencionado. Ele a observou preencher uma das taças ali próximas com o líquido escuro provindo de uma garrafa de vinho. Lembrou imediatamente do sangue no rosto de Dean e do olhar feroz que ele possuía, um olhar assassino. Sammy não tinha medo do irmão, sabia que o mais velho jamais o machucaria, isso era um fato. Tinha medo, na verdade, do que Dean faria para vingar-se, e, do tanto de sangue que derramaria para atingir seu objetivo. Ao contrário de si próprio, o Harvery mais velho não tinha medo de ferir ninguém.

Seus pensamentos, antes soltos, se reagruparam ao ouvi-la perguntar se queria mais uma dose. Empurrou o copo para próximo da loura com um dos dedos e percebeu que ela havia pego a garrafa para mais perto. Despejou um pouco do líquido no próprio copo e ficou o encarando por algum tempo. Estar na presença dela o mantinha mais calmo, tranquilo. Quase como se o bar fosse um santuário. Ele gostava dessa sensação.

— Paguei, não é? — Riu e lembrou-se da noite que eles tiveram. Da adaga. Provavelmente estaria largada em algum lugar por aí, enferrujando depois dos anos. Suspirou e bebeu mais um gole da bebida, sentindo o gosto misto de combustível. Ele adorava aquela bebida.

Ouviu a pergunta seguinte que a mais baixa fizera. Ficou confuso acerca do que responder e fechou os olhos imaginando a bagunça que sua própria vida estava. Talvez fosse melhor não enchê-la com seus problemas. Talvez não, tinha certeza que era melhor fazer isso. Deu de ombros e sorriu de canto, o clássico sorriso que sempre fazia ao observá-la.

— Meus pés me trouxeram aqui. Talvez tenha batido saudades. Só talvez.

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Ao sentir os dedos finos e delicados em seu rosto o jovem fechou os olhos, aproveitando o momento. Agnes trazia uma paz que ele não conseguia explicar.

— Eu não sou uma pessoa tão ruim assim. — Sorriu e a observou por um momento.

Talvez o seu subconsciente soubesse disso suficientemente bem para ter levado ele ali novamente. Suspirou ao sentir ela tirando as mãos dali. A loira pegou a garrafa de bebida, e, por um momento, ele pensou que ela fosse mandá-lo ir embora. Porém, não foi o que ela fez. Sem perceber ele soltou o ar que estava guardando, havia prendido a respiração mesmo sem perceber. Caminhou despreocupadamente até a porta que ele sabia que levaria até sua casa e virou-se para ele, convidando-o.

Ele imaginou que qualquer coisa pudesse acontecer, sim, mas não imaginou que ela o receberia em seus aposentos mais uma vez. Sorriu e foi na direção apontada pela jovem. Seguiu-a pelas escadas de madeira e adentrou assim que ela abriu a porta para ele passar. A casa da loira era aconchegante e transmitia a mesma paz que ela mesma transpassava. Levou a mão, instintivamente, até um cordão que estava embaixo de sua camisa. Por um momento achou que tivesse perdido na correria. Porém, ainda estava ali. Seguro. Fechou os olhos por um breve momento e caminhou até onde a mais baixa estava. Sentou-se no banco que ela havia indicado e encheu o próprio copo ouvindo as palavras proferidas por ela.

— Sabe, talvez eu não queira mais ser nômade... — Falou respondendo sua pergunta. Pegou o copo e ficou observando o liquido ali dentro por um tempo antes de levar o copo aos lábios e beber mais um gole. Sorriu ao ouvir a frase seguinte. — Quer dizer que posso me considerar especial por estar aqui? — Riu.

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Sabia que ela estava brincando ao mencionar aquelas palavras, mas, pensar na escolha que poderia ter feito dois anos atrás mexeu, de fato, com a cabeça do ruivo. Ele fechou os olhos e suspirou profundamente, pensando no irmão sozinho mas também pensando em tudo o que teria sido poupado se houvesse escolhido ela e não ele. Uma garota de uma noite e seu irmão de sangue. Era injusto colocar ambos na balança, mas, naquele estado em que se encontrava, Sammy já não sabia mais ponderar no que seria certo ou errado. Queria paz.

— Deveria... — Riu e bebeu mais um gole da bebida, esvaziando o copo. Pegou a garrafa e encheu novamente o recipiente.

Um silêncio se estabeleceu no local, mas, de alguma forma, não era algo desconfortável. Ambos ficaram presos em seus próprios pensamentos de uma forma confortável, sem chegar a ser constrangedora ou intimidadora, eram apenas amigos partilhando de um momento difícil.

— Poderia. — Riu ao ouvir as palavras dela. Realmente, se ela quisesse, poderia fazer absolutamente qualquer coisa com ele. Ele não revidaria. Não conseguira machucar ninguém, muito menos se esse alguém fosse ela. — Mas acho que não faria. Se quisesse já teria feito dois anos atrás, ou, dois segundos atrás. — Sorriu e bebeu mais um gole. Sentia o álcool fazendo efeito, mas, não se importava.

Ouvir as palavras sobre seu irmão o deixaram um tanto perturbado. Ele amava o Harvery mais velho, não tinha a menor dúvida sobre isso. Mas, as vezes, pesava muito a responsabilidade de tudo. Não era só o negócio. Era a vida. A vingança. Tudo. Ele temia por Dean. Temia pelos dois. Se o império descobrisse o negócio, eles estariam ferrados.

— Dean é um problema. Você sabe. É difícil. — Suspirou e levou as mãos aos cabelos, bagunçando-os.

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A confusão reinava em sua mente e ele estava ficando com raiva de si mesmo por isso. Um aperto no peito surgia e a confusão aumentava, deixando-o desnorteado. Ela claramente parecia saber que havia algo de errado com o ruivo. Ou estava muito óbvio ou ela sabia ler muito bem as pessoas. Ela o questionou sobre dormir. Quanto tempo fazia que ele não dormia? Certamente muito. Nem ele mesmo se lembrava de quando tinha se deitado em seu colchão carcomido e dormido descentemente. Ela pediu que ele a seguisse, e, assim ele o fez.

A casa de Agnes era enorme. Daria, facilmente, umas três casas Harvery. Ele chegou a achar engraçada a comparação, mas, sabia que ela tinha se esforçado muito para chegar até ali. Não conhecia a história da loira e estava começando a se perguntar se não era hora de conhecer e deixar que ela soubesse um pouco mais sobre si mesmo. Logo que chegou a porta do quarto ele parou, encarando o interior do aposento por um instante antes de dar um passo para trás e fechar os olhos.

— Não posso fazer isso. — Levou as mãos ao rosto, cobrindo-o. — Eu devo ser uma pessoa horrível. — Suspirou e a encarou. Os olhos marejados. Ele tinha vergonha do que estava sentindo. Tinha vergonha de ser quem era. Dos pensamentos errados que estava tendo. Dos pensamentos de vingança, de machucar pessoas. Ele não podia fazer aquilo. Não podia deixar Dean ir. Não podia ser egoísta e estar ali enquanto o irmão se machucava. — Eu sou um péssimo irmão. Eu deveria estar lá com ele. Ele vai terminar se matando, Agnes.

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Sentir que alguém olhava para si de forma compreensiva, carinhosa, e, até mesmo, cuidadosa, faziam com que o ruivo começasse a relaxar a respeito da situação. Sua visão, repentinamente, havia ficado mais pesada, seu corpo, lento. Ele observou ela se aproximar de si, colocando suas mãos em seu rosto, relaxou perante a forma como ela o observava e suspirou, deixando-se ser levado até o quarto. A cama macia, diferente da que ele possuía em sua própria casa, foi de encontro ao seu corpo quando ela o empurrou ali, de forma gentil.

A garota parecia saber exatamente o que fazer para acalmá-lo, o jovem suspirou e deixou que ela sentasse em seu colo, deitando-se no momento seguinte. Sua cabeça estava pesada, os pensamentos giravam em turbilhão, querendo que seu corpo se mantivesse acordado mas o cansaço parecia ser maior. A cabeça foi de encontro ao colchão, os olhos pesados começaram a se fechar. Ainda que por um segundo, pensou ter visto o semblante de Agnes lembrar-lhe uma cobra, algo um tanto réptil, mas, pensou ser algo de sua imaginação, afinal, seu corpo estava pregando peças.

Não sabia o quão cansado estava até que o sono o invadiu. Sua visão clareou, mostrando-lhe um cenário que lhe parecia um tanto familiar. O bar. Sammuel estava sentado em um dos bancos de madeira do bar, apoiando as costas no balcão atrás de si. Observava o movimento local de forma despreocupada. Pegou um copo de vidro cheio de bourbon, algumas coisas nunca mudavam. Sorriu e levou o copo até seus lábios, fazendo com que a bebida o aquecesse. Agnes aparecera ao seu lado, apoiando-se em seu ombro e lhe roubando um beijo. Foi aí que viu o anel preso em seu dedo, fazendo referência ao compromisso que os dois, aparentemente, tinham.

Sammy pegou a mão alheia e encaixou em sua própria. Seu corpo estava livre, não havia mais tensão, não havia mais Dean, não havia mais vingança nem nada. Apenas eles dois, apenas a calmaria do bar, o som dos clientes conversando entre si, o som dos copos indo de encontro as mesas, dos talheres. E, pela primeira vez, ele percebeu que seria um lugar de paz, um lugar que ele gostaria de estar. 


Não sabe ao certo quanto tempo ficou ali, mas, ao acordar, sua cabeça estava pesada, seu corpo estava levemente dolorido. Levantou-se ainda tonto e caminhou por ali, percebendo, só então, que estava descalço. O piso de madeira estava frio em contato com a pele. A claridade do lugar ainda o incomodava. Quando sua visão se acostumou ao ambiente, percebeu Agnes próxima a janela, observando algo no lado de fora.

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Ela parecia despreocupada, imersa em seus pensamentos. O dia, pôde perceber, já avançara muito desde que deitou-se para um sono profundo. Passou as mãos pelos próprios fios ruivos, desalinhando-os e a encarou. Algo em Agnes estava diferente, um sentimento de insegurança começou a ser notado no interior do rapaz. Sabia que estava cansado, mas, também sabia que não ao ponto de apagar daquela forma. Talvez, bem talvez, ela tivesse feito algo, porém, não sabia o que. E, naquele momento, se deu conta de que Agnes sabia muito mais sobre a sua vida do que ele mesmo sobre a dela.

Deu alguns passos na direção onde a loira estava, e, mantendo distancia segura, observou as pessoas do lado de fora. Aparentemente uma chuva começava a despencar do céu, deixando, por consequência, o clima mais frio. O ruivo suspirou e a encarou novamente.

— Interessante, dormir demais não é do meio feitio. — Deu um sorriso de canto, desviando o olhar no momento seguinte e voltando sua atenção para as ruas. Seus pensamentos caíam em forma de cascata, tantas informações ao mesmo tempo que não conseguia processar. Ainda estava lerdo, entorpecido. — Sabe, eu estava me dando conta de que, por mais que lhe conheça, não sei nada sobre você. — Encarou-a, seu olhar se perdendo desde as marcas em seu corpo até chegar em seus olhos. Poderia ser efeito do sono, mas, jurava ter visto uma nova marca no braço da garota. Um  novo padrão de desenhos.

Sabia que ela podia simplesmente expulsá-lo dali, mandá-lo embora e nunca mais vê-lo. Era uma possibilidade, ele bem sabia disso. Mas Harvery estava cansado de viver sempre na sombra, sem saber o que estava acontecendo ao seu redor. Talvez nada houvesse mudado, tudo permanecesse igual. Mas ele tinha certeza de que algo não estava certo e essa incerteza o deixava irritado consigo mesmo por duvidar das pessoas ao seu redor. Por duvidar dela.  

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Sammuel trinca o maxilar ao se deparar com a atitude alheia. Suspira pesadamente e revira os olhos, observando-a caminhar de volta a cozinha. A justificativa? Plausível, mas, mesmo assim, não o agradava nem um pouco. Certamente ele sabia que estava errado, aparecer ali, daquela forma, realmente poderia assustá-la, ainda mais depois de tanto tempo. Mas ela também não estava coberta de razão, podia muito bem ter manda-o embora, não precisava drogá-lo para ter certeza de que estava segura. Ele observou ela sentar-se na mesa da cozinha e pegar uma xícara de café.

— Gosto da sua sinceridade, mas, isso não diminui o que você fez, Agnes. — Suspirou e passou a mão pelo próprio rosto. — Eu nunca menti para você. Nunca mentiria. — A encarou e desviou o olhar.

Ele respirou pesadamente e ouviu as palavras com cuidado, assentindo de forma breve. Agnes, aparentemente, se preocupava muito com sua própria segurança. Era algo normal, certo? Mas, de alguma forma, Sammuel estava desconfiado disso. Algum ponto não parecia se encaixar no meio de toda aquela história. A bartender agora não parecia só isso, parecia algo mais. Algo maior.

— Não estou brincando com a sua segurança. — Riu e ergueu as sobrancelhas. — Quem você acha que eu sou? Um serial killer? — Aquilo realmente o deixara chateado. Ele nunca faria mal a ninguém, nem a um animal, pessoa... Nada. Observou a bebida alheia e ficou se perguntando se teria algo a mais ali dentro, como da primeira vez. Fechou os olhos e se policiou a parar de pensar naquilo. Bebeu um gole sentindo o gosto do café forte e da bebida alcoólica. Ela estava certa, ajudava mesmo.

Ao depositar a xícara na mesa, próximo onde ela estava sentada, foi surpreendido por um puxavante que o fez se aproximar dela, mesmo que involuntariamente. As pernas da outra se enroscaram contra sua cintura como se fosse uma presa, o prendendo ali. As mãos do rapaz repousaram sob o tampo de madeira e seu olhar permaneceu fixo no dela, sem se intimidar. As palavras que se seguiram fizeram seus olhos ficarem semicerrados. As mentiras que as pessoas contavam corrompiam os outros. Faziam ficarem desconfiados. Vulneráveis. Sammuel suspirou e a encarou.

— Foder? Não, Agnes. Eu não me resumo a isso. — Soltou um sorriso e desviou o olhar, suspirando. — Não ligo se você não acreditar ou se debochar, mas, sabe a verdade? Eu quase morri lá fora. Eu estou fodido e nem ligo para quem quiser minha cabeça. Mas sabe, a primeira coisa que me veio a mente enquanto estava largado no chão, sangrando, foi você. Não foi meu irmão, não foi minha segurança, não foi nada além de você. — Olhou para baixo, tentando manter a voz firme. — Mas acho que foi um erro vir aqui e ser sincero.

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Quando ela se afastou o frio se estabeleceu no peito alheio, fazendo com que, de repente, se sentisse mais sozinho do que nunca. Permaneceu de costas, encarando a cozinha, não queria ver as lágrimas que, causadas por suas palavras, desenhavam dor no rosto alheio. Passou a mão pelos fios vermelhos ouvindo ela própria se denominar como mau. E o que ainda era bom naquele mundo? Com aquele império? Suspirou profundamente, abrindo a boca para replicar mas nada lhe veio, ficou em silêncio.

— Você não pode dizer o que me faz bem ou não. — Suspirou pesadamente, encarando o tampo de madeira escura que havia ali na cozinha. As linhas irregulares pareciam tão confusas quanto ele mesmo. Os pensamentos rodavam em sua mente. A ignorância, as vezes, podia ser uma dádiva. — Você não é um monstro. — Virou-se para encará-la apenas para sentir o coração apertar ao ver os olhos azuis marejados. — Você pode achar que é, pode não sentir que é boa, mas, sabe o que eu acho? Eu acho que aí no fundo, você é linda. Não me refiro a beleza. Eu sei que o mundo é mau, Agnes. Eu só... Acredito no lado bom de todos. Eu acredito no seu também. — Fechou os olhos e respirou pausadamente.

Ele era completamente idiota, mas, sentia seu coração pesado. Tanto por tê-la feito chorar quanto por se sentir enganado. Estava confuso, o que poderia fazer? Ele sabia o que queria, não só em relação a ela, mas, o que queria ia contra todos os seus princípios, contra tudo o que acreditava. E o que acreditava, até então, quase o fizera morrer. Ouviu as palavras dela, ela não precisava pedir desculpas, afinal, estava apenas se protegendo, tinha razões para tal.

O ruivo caminhou pela sala, até que, enfim, se pôs ao lado dela. Suas mãos foram de encontro ao rosto alheio, e, apesar da resistência, conseguiu encará-la. Os olhos marejados lhe partiam o coração, mas, ele se manteve firme.

— Você não precisa me pedir desculpas. Eu entendo suas razões. Não gostei, mas, entendo. Você estava se protegendo. — Continuou observando-a até que ouviu que realmente havia sido um erro ir ali. Se manteve firme, observando-a e assentiu brevemente. Levou, involuntariamente, o polegar a bochecha alheia, enxugando uma lágrima perdida que descia por ali. — Quer que eu vá embora? — Questionou. — Mas se eu for, saiba, eu não vou desistir de você.

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Acreditar demais nas pessoas, por muito tempo, havia sido seu calcanhar de Aquiles. As pessoas eram corruptas, mentiam quando queriam se beneficiar, tirar algo melhor, se aproveitar de outrem, e, claro, não se machucar. Mas, naquele lugar, naquela situação, e, depois de ter sido sincero, ele soube que ela o respondera com sinceridade. Ela havia dito, deixado bem claro: não era boa. Não que se sentisse insuficiente, ele sabia a mulher incrível que ela era. Mas boa no sentido de bondade. Ele não estava procurando uma boa samaritana, para falar a verdade, não estava procurando ninguém.

Mas, o destino prega peças, e, dois anos depois, o sentimento ainda era o mesmo. Tanto que, surpreendendo aos dois, agora estavam ali, na mesma sala, próximos da mesma forma. Sammuel pensou que ela fosse lhe mandar para fora, ficando, por fim, sozinha, porém, mais uma vez, ela o deixara ficar, ou melhor, dera a opção da escolha. Anos atrás ele havia recebido essa mesma opção e ido embora. Agora, bom, poderia fazer o mesmo, porém, não queria.

Suspirou pesadamente encarando as orbes azuis alheias, e, quando deu por si, os braços já se encontravam ao redor do corpo dela, mostrando o encaixe perfeito que haviam descoberto tempos atrás. Suas bocas se encontraram, provando um sabor misto de doce e amargo, provindo do café. Os lábios macios e róseos em contato com os seus, reproduziam a mesma coreografia, ao som de sabe-se lá o que. O ruivo deslizou suas mãos, que, repousavam na cintura alheia, pelos quadris, indo na direção de suas coxas, onde, segurou firme e puxou para si, fazendo com que as pernas alheias se prendessem ao redor de sua cintura. Com o corpo da loira em mãos, apoiou-a no parapeito da janela, colando os corpos e, por fim, mantando a saudade que havia sido comentada momentos antes.