A posição de destaque no exército certamente lhe conferia algumas regalias com relação a trabalhos menos prestigiosos dentro dos domínios da base militar. Alguns acreditavam que era força do hábito, os recrutas espalhavam histórias sobre bondade e chegavam até mesmo a dizer que era uma forma de se certificar de que o perímetro era realmente seguro, mas a verdade era que para Köhte, ficar responsável por alguma das guaritas ou patrulhar o perímetro no lugar de algum dos recrutas era uma das melhores oportunidades para que ele ficasse sozinho e organizasse seus pensamentos. Não era um trabalho perigoso, apenas tedioso. Não havia muitos habitantes dispostos a invadirem a base militar sem um bom motivo, e duvidava que alguém teria um bom motivo para fazer isso de madrugada. Talvez alguém possuísse a ideia errada de achar que estava desprotegidos por conta do horário avançado, mas a verdade era que a segurança do lugar sempre seguia o mesmo padrão, independente de horários ou de condição climática.

Notou, pela primeira vez em semana, o quão achava a noite bonita. Ou talvez aquela estivesse de alguma forma especial, querendo contribuir para o trabalho noturno do homem. O território pertencente a Le Ange era grande e algumas partes mais marginalizadas da base militar não dispunham de tanta segurança quanto o centro. As áreas que ele costumava chamar de “Fronteiras “eram onde havia a junção com outros bairros, eram áreas normalmente desabitadas, mas com escassas defesas. Embora alguns pedaços já estivessem sobre um processo de intensa reestruturação, o escolhido para a patrulha ainda era apenas o esqueleto de um bairro. Existia uma infraestrutura escassa para as pessoas que transitavam por ali diariamente e isso era tudo.


Tudo parecia calmo. A única coisa que parecia estar fora do comum eram algumas latas de lixo, mas era bem comum elas estarem dispostas longe de seus locais designados, suspeitava que a incidência de crianças brincando naquela região estava em ascensão.

Ao longe, avistou uma situação estranha. Semicerrou os olhos para tentar discernir melhor a cena. Viu uma figura com alguma azul em sua cabeça, encostada em uma das latas de lixo e imediatamente sentiu algo apitar em sua cabeça, como se fosse um alarme de que algo estava errado. Poderia eliminar o alvo a distância sem muitas dificuldades, afinal, poderia ser algum tipo de insurgente querendo explodir uma parte da base militar, já havia visto relatos sobre explosivos escondidos no lixo e coisas do tipo, mas sempre acreditou que eram apenas lendas contadas na academia. Mas por outro lado, se seu julgamento estivesse errado, aquilo poderia implicar em um tempo difícil, podendo até mesmo chegar a uma corte marcial, o que era algo abominável pela maioria dos militares. Respirou fundo, não usaria seus poderes para não assustar quem quer que fosse aquele indivíduo, mas não deixaria que ele ficasse ali, completamente indiferente com a presença do militar.  — Ei! — Berrou a plenos pulmões enquanto se aproximava da figura.

Soltou um suspiro pesado ao se aproximar o bastante da figura para discernir seus traços, viu a coloração do que ele acreditava ser algum tipo de capuz, e que na verdade eram os cabelos do indivíduo, se tornarem verdes. Escutou o barulho com atenção, não parecia um dispositivo sendo ativado ou nada do tipo. Imediatamente suprimiu o riso. Não era comum que ele tivesse disposição para rir e o gatilho daquilo não havia sido a cena em si, mas a antecipação exagerada dele em tentar prevenir um possível ataque aos militares quando na verdade, se encontrar apenas com alguém que havia bebido demais. Mesmo depois de tudo que havia acontecido, ainda preservavam alguns instintos primais e acreditava que impulso exagerado de se entregar ao álcool era um deles. — Eu... — Tentou responder o questionamento do indivíduo, agora identificado como uma garota, mas viu quando ela se arrastou até um dos becos e se surpreendeu com a aparência maltratada da mesma. — Você está em território restrito. Civis são proibidos. — Resmungou, mas sabia que ela provavelmente sequer conseguiria raciocinar o sentido daquelas palavras. Se por um lado poderia muito bem deixa-la para seu próprio destino, por outro sabia que uma morte em solo militar seria motivo de burburinho entre os outros bairros. E que embora pouco muito provável, ele também poderia vir a sentir remorso futuramente. — Não acho que seja certo deixar alguém na sarjeta. Você precisa de ajuda? — Perguntou, era óbvio que ela precisava, mas não faria nada sem prévia autorização.