they judge me like a picture book, by the colors like they forgot to read

A passagem a seguir é FECHADA AOS ENVOLVIDOS. Os envolvidos são Hades e Öcean. No palácio Weingarten, por volta das 10 horas da noite. O conteúdo que o texto aborda é LIVRE PARA TODOS OS PÚBLICOS.

A noite caía e com ela uma brisa suave percorria pelos amplos corredores do palácio dos Weingarten. Em meio a suas andanças por sua residência, Hades mantinha suas expressões neutras enquanto prosseguia rumo a uma reunião noturna com vários membros das famílias nobres de Calipso. Os encontros eram sempre semanais, necessários para que a cidade continuasse firme e forte, sem maiores problemas. A situação era complexa, principalmente em El Diablo, onde os guardas civis sequer ousavam pisar, pois a violência era demais para eles poderem contê-la.

A reunião havia sido breve, durara cerca de uma hora apenas, nela Hades doou grande parte de ouro para que o Banco de Ferro, administrado pelos Gottschalk, pudessem munir mais ainda os soldados, enquanto os Renard foram instruídos a recrutarem mais pessoas, incluindo homens e mulheres da tropa expedicionária, para acabarem com a violência em El Diablo – afinal não fazia sentido algum mandar tropas para fora da cidade enquanto a mesma vivia mergulhada no caos. Cansado de todas as conversas, elaboração de planos e projetos, o imperador dispensou todos para que jantassem e demorassem o quanto fosse preciso até irem embora.

Em meio a seu passeio, decidiu ir a uma sala cheia de estátuas e com um chafariz cuja estátua era a de seu pai, Norman Weingarten. Alisando a escultura, o loiro fechou os olhos e baixou a cabeça, pensando sobre como havia sido difícil viver sem os conselhos preciosos de seu progenitor, sem a sua liderança e sabedoria. Ele havia sido pressionado a crescer, a amadurecer, precisando moldar sua vida e personalidade para ser o futuro rei que todos precisavam. Mas como saber se ele realmente era apto? Seu pai estaria orgulhoso? Foi então que, retirando a mão do busto da estátua, notou uma presença lhe observando.

— Ah, olá, quem é seu pai ou mãe, garoto? — perguntou com um sorriso sinuoso e gentil, apesar de fabricado como era de costume seu. Aproximando-se, olhou o menino de cima a baixo, sem reconhecê-lo. Provavelmente havia sido levado para o palácio por seus pais. — Perdido? — perguntou, passeando os dedos indicador e médio pelos fios castanhos do rapaz, ternamente. Ele lhe lembrava seus filhos quando pequenos, ainda em um estado de inocência.

Se seus filhos pudessem somente ficar presos naquela idade para sempre, seria perfeito! Poupariam problemas ao imperador, assim como dores de cabeça devido aos temperamentos deles.

Então o menino era um Forchheim? Suas feições realmente lembravam a dos morenos esbeltos da família responsável pela tecnologia e informação que era coletada e estudada no império. O garoto inicialmente parecera curioso, somente para ir a certo estranhamento com a proximidade e, logo em seguida, para um pouco de curiosidade novamente ao perguntar quem Hades era. Isso o fez sorrir surpreso, unindo as sobrancelhas e curvando o lábio inferior, mas logo o loiro mordiscou o lábio inferior e passou os dedos indicador e médio por uma das madeixas do rapaz.

— Sou Hades Weingarten, imperador, deve ter ouvido falar de mim — piscando um olho, virou-se para a estátua de Norman e então apontou para a mesma. — Esse é o meu pai, Norman. — A apresentação parecia desnecessária, mas dada a admiração com a qual o loiro se dirigia ao objeto no momento em que foi abordado pelo rapaz, ele se sentia na obrigação de explicar quem aquele homem era.

O jovem Forchheim era bastante quieto e educado, como era de se esperar das crianças nobres, entretanto ele parecia bem mais curioso que a maioria, vide que ele saíra ziguezagueando pelo castelo sem rumo, apenas explorando – coisa que Hades nunca havia visto outra criança fazer antes nas visitas das famílias à sua residência. Ele parecia aventureiro, provavelmente uma daquelas crianças que não consegue ficar parada por muito tempo. O próprio imperador havia sido assim durante a sua infância, correndo pelos monumentais corredores e descobrindo todos os cômodos do palácio. Ele não poderia julgar o menino, no entanto.

— Então, menino sem nome Forchheim, quer conhecer um local secreto? Descobri ele na minha idade e não revelei ele para ninguém por muito tempo. Meus filhos habitaram lá por alguns anos e depois o abandonaram. É um local... — movendo seus olhos cujos cílios compridos davam um ar misterioso, o loiro bateu o dedo indicador no queixo, fingindo pensar numa palavra apropriada. — Mágico.

O local tratava-se de uma sala ampla no último andar do castelo, o sótão, para ser mais sincero, cheio de grimórios, livros mágicos, misturas especiais e afins. Era um bom lugar para uma pessoa com poderes mágicos crescer. Ravena havia sido a única de seus filhos com poderes mágicos, portanto ela havia gostado bastante de ficar ali, treinando e aprendendo sobre as suas habilidades. Os outros não haviam gostado muito do lugar, vide que Thomas tinha poderes mais voltados à ciência, assim como Reyna, cujo poder era mental.

— Vamos? — ofertando a mão para o menino, soergueu suas sobrancelhas, sorrindo de forma cativante.

Havia certa estranheza no jovem Forchheim. Ele parecia não conhece-lo de verdade, o que era estranho, vide que até os bebês de Weingarten sabiam e poderiam facilmente reconhecer Hades. A não ser que o jovem rapaz fosse criado num cubículo longe da sociedade, não fazia sentido algum tal informação não ser de conhecimento do mesmo. Entretanto, o loiro não se importara com isso; ele teria um bom tempo para poder conhecer o menino, e ele poderia conhece-lo intimamente, como poucos haviam tido a chance de compreender o imperador. Ao falar claramente sobre ser a intenção de seus pais que ele nunca viesse a conhece-lo, o bruxo apenas entreabriu os lábios e logo voltou a fechá-los, contendo algo que sairia. Öcean o seu nome, revelara o rapazinho.

— Prazer em conhece-lo, Öcean — aprazivelmente, Hades sorriu com os lábios unidos e os olhos, brilhantes como estrelas cadentes. Diante da dúvida do jovem Forchheim, o loiro apenas dera de ombros, divertindo-se com tal questionamento. — Claro que existe, vamos, venha. — Com a cabeça indicando a saída, tomou a frente para sair dali.

Os corredores amplos e com azulejos cheios de desenhos paisagísticos impressionavam, assim como o teto distribuído pelos passadiços, cheios de imagens ilustradas retratando momentos épicos, que iam desde a fundação de Weingarten ao primeiro festival, os eventos comemorativos e feitos de Norman. Haviam inúmeras portas ali, cada uma dando acesso a diferentes locais do palácio, os quais Hades ignorou e prosseguiu, sorrindo para cada um dos guardas a cada virada de esquina – facilmente aquele lugar se tornaria um labirinto para um desavisado. Por fim, os dois pararam em um corredor sem saída, cuja janela dava uma visão para as ruas de Calipso. Com um movimento de dedos, a energia vermelha envolveu as cortinas e fechou-as. Virando-se para Öcean, Hades olhou então para o alto e com um movimento de dedos, fez uma pequena porta no teto acima deles abrir-se, uma escada desceu e então o imperador tomou a frente.

Aquele local era especial devido a muitas coisas. Fora ali que aprendera a manipular os seus poderes, onde exercera o seu autocontrole e pôde criar um vínculo genuíno com o seu pai, dissipando grande parte da revolta juvenil que habitava no coração do futuro imperador. Aquilo unira pai e filho, da mesma forma que Hades usara aquele laboratório para se aproximar também de seus filhos, em especial Ravena cujos poderes eram mágicos. O local, apesar da entrada estreita, era enorme, com duas estantes de cada lado, cheias de livros, com uma mesa próxima de uma janela com um vitral formando um olho gigantesco. As lamparinas se acenderam sozinhas, assim como uma lareira nos fundos do quarto, logo atrás dos dois.

— Quais são os seus poderes? Se forem mágicos, podemos ajuda-lo. Todos esses livros e itens foram registrados e colecionados pelos maiores dos bruxos, incluindo o meu próprio pai, Norman — perguntou Hades, enquanto gerava uma esfera vermelha em sua mão, criando uma segunda e então fazendo um malabarismo para Öcean. Era bobo, mas poderia ser impressionante para o garoto, quem sabe. — Por que ficou tanto tempo isolado? Digo, seus pais queriam treiná-lo ou algo do tipo? — perguntou com interesse, apesar de estar com os olhos fixos nas agora quatro bolas que ele manuseava em seu malabarismo, até que ele as desfez e deixou apenas uma, atirando-a para Öcean. — Sabe, meu pai era chato também, ele me deixava aqui nesse quarto e não me deixava sair até eu fazer algum feitiço útil. Ele queria o meu bem, mas ele me privou de muita coisa, sabe? Tipo brincar com outras crianças, fazer o que eu queria... mas no fim das contas acabei dando um jeito e fazendo tudo por conta própria. — Com as mãos na cintura, sorriu.

Nostalgia. Era o sentimento que imperava no coração de Hades em estar de volta àquele lugar. Ele raramente entrava ali, pois o local lhe trazia memórias tristes envolvendo seu progenitor. Ali era uma espécie de templo sagrado para pai e filho, onde eles desenvolviam seus poderes juntos, riam e se divertiam. Seus poderes haviam evoluído graças aos ensinamentos mágicos daqueles livros, aos treinos e poções que o futuro imperador aprendeu a fabricar. Eram lembranças boas, mas que paralelamente deixavam o coração do loiro pesado, afinal seu pai não estava mais com ele. Não haviam mais risadas nem conselhos. Apenas o vazio de um quarto esquecido.

Öcean, no entanto, fora suficientemente capaz de deixar Hades envolvido por sua personalidade misteriosa e, como que adivinhando os poderes mágicos do garoto, acabara por leva-lo àquele local mágico. Ele comentava que fora afastado de tudo e todos por causa dos intentos de seus familiares, que envolviam fortalece-lo longe da influência de Weingarten. O loiro apenas escutou tudo com um mero sorriso aprazível estampado, recordando que os Forchheim eram estranhos assim mesmo. Ele havia conhecido o progenitor de Arkadius, soubera de como ele era estranho e empenhado em suas pesquisas tecnológicas e nos seus experimentos – o caminho dos dois se cruzaram algumas vezes. Aquilo que o rapaz falava, no entanto, não chegava a assustá-lo; era até coerente com as estranhezas daquela família – a mais estranha das cinco nobres.

Apesar de comentar sobre não ter permissão de falar sobre os seus poderes, eis que Öcean decide mostrar o nível de seus poderes, criando chamas incapazes de queimar tudo ao seu redor, logo cessando-as. Rosas levitaram, rodopiando como pequenos planetas de um sistema solar em volta das chamas, mas logo tudo terminou e Hades, de olhos arregalados, se voltou para o garoto, satisfeito e surpreso com o que havia acabado de testemunhar. Que ele possuía magia aquilo fora pressentido, mas que ele era capaz de dar ordens que afetavam as coisas era uma outra história. Ao comentar sobre sua capacidade de fazer as pessoas verem e sentirem absolutamente qualquer coisa, o Weingarten soergueu as sobrancelhas. Ele era realmente um bruxo poderoso, tal habilidade lhe lembrou de sua filha, Reyna, cujo poder envolvia ilusionismo.

Movendo seus dedos pelas prateleiras, procurou nas categorias a letra que lhe interessaria, encontrando um livro de capa grossa e de cor vinho com dizeres dourados. Um presunçoso sorriso de satisfação se fez presente em Hades, que o puxou e começou a folheá-lo antes mesmo de responder a Öcean. Antes de poder encontrar exatamente o que ele procurava, seus olhos encontraram os do menino.

— Impressionante! — elogiou, ainda folheando o livro e exibindo um largo sorriso orgulhoso do rapaz. Era muito bom ver quimeras jovens desenvolverem poderes mágicos como aquele, de forma que toda uma comunidade bruxa se formava e que fazia o imperador sentir que todos se conectavam a um nível ainda mais íntimo.

Sua mente girava com as ideias. Ele poderia abrir uma escola para pessoas dotadas de magia, ou poderia escolher alguns poucos membros e instruí-los por si mesmo, ensinando-os o caminho do oculto e fazendo-os se tornarem futuros grandes magos. Todos tinham um futuro promissor, do qual Hades fazia parte e sentia que estava próximo.

— Eu quero ajuda-lo, Öcean — afirmou o imperador, sua mão direita apoiando o livro enquanto a esquerda folheava as páginas sem nem olhar para as mesmas. — Você possui poderes mágicos e sou perito nisso, eu tenho tudo de que precisa e não é necessário que seus pais saibam disso. Claro, se quiser falar com eles, posso chamá-los para uma conversa séria onde falarei meu desejo em instruí-lo, mas isso depende de você, Sr. Forchheim, se não quiser, isso não sairá deste recinto.

A oferta havia sido dada.

Bondade era algo atrelado a Hades desde sua mais tenra idade. Ele não apenas crescera ouvindo de seus progenitores sobre a importância da polidez e da generosidade. Não podia existir avareza ou egoísmo em seu coração, ou ele seria odiado por todos. Portanto, sempre era possível ver o imperador distribuindo alimentos para a população mais carente de El Diablo, desde pão, carne a frutas e legumes. Não havia anúncios, muito menos mensageiros gritando aos quatro ventos sobre as benfeitorias do rei; ele surgia de supetão quando menos se esperava, na maioria das vezes sozinho, até – pois para ele de nada valia andar entre seus semelhantes munido de guardas reais para protege-lo como se os pobres fossem animais selvagens e, além do mais, o primogênito de Norman sabia muito bem se defender. Sendo assim, o loiro sabia da importância das coisas e conhecia bem intimamente a situação de seus semelhantes.

E o que ele fazia por Öcean, então, se não um ato de generosidade imensa? Ele tinha os seus próprios motivos, era óbvio, entretanto preferia guarda-los para si mesmo. Tudo no mundo tinha um preço, e o pequeno Forchheim precisava de alguém que lhe ensinasse coisas que ele ainda nem deveria saber ainda. Quem melhor que Hades para instruí-lo nas artes mágicas e diplomáticas de Weingarten? Decidido, o jovem rapaz deixara claro que, no momento em que desagradável ocorresse, ele partiria. Assentindo, Hades manteve o livro levitando envolto em sua energia rubra e o folheou, dando de ombros e fazendo uma breve expressão de “certo, justo”.

— Eu conheci o pai de Arkadius, sabia? Aliás, você tem pai ou mãe? É o seu tio o seu guardião legal? — questionou o loiro, ainda folheando as páginas. Se fosse realmente esse o caso, fazia sentido o menino ser tão convicto, sério e de expressões neutras, tal qual seu cuidador.

Ainda curioso, parou em uma página que falava sobre conjurações, porém a mesma estava em latim. Traduzindo-o, Hades pôde notar que o poder de Öcean era um tanto quanto difícil, principalmente devido a aleatoriedade das palavras afetando seus encantamentos. Palavras-chave podiam falhar e até existiram casos de feiticeiros poderosos que se destruíram devido a esse fator. Decidiu guardar aquilo para si mesmo, voltando-se para o pequeno Forchheim.

— E se você usasse outra língua? Aparentemente você não precisa de gatilhos para ativar seus poderes, certo? É algo natural que precisa apenas do seu intento para ocorrer, então... por que não adicionar alguma outra linguagem para que não ocorra acidentes? Lembro-me de um amigo de papai que conjurava feitiços falando de trás para frente, e era bem útil, pois nunca ocorria acidentes. — Aconselhou Hades, lembrando-se de como havia sido horrível quando esse conhecido havia mandado um homem ir se foder no calor de uma raiva e seu feitiço realmente deu certo.