Passos rápidos e irritadiços seguiam pelos corredores da base militar de Le Ange, causando um barulho uníssono sobre o vasto solo de mármore. Os orbes azulados do homem encaravam um único ponto a frente, a porta da sala ocupada pela general; sob a sua mão cerrada se encontrava uma folha de papel amassada, um memorando que havia sido entregue no seu escritório há cerca vinte minutos. Cujo conteúdo informava sobre a nova missão e o objetivo que os expedicionários deveriam concluir, mas não apenas isso, também a notícia de que seriam acompanhados por uma figura do centro de investigação. Uma cientista que havia solicitado a sua participação na missão, de modo que pudesse obter uma pesquisa de campo sobre as criaturas imperfeitas e os Ghouls. Enfurecendo de imediato o Crowley, que mau havia terminado de lê-la é já se encontrava nos corredores do quartel, caminhando para sala da general para expressar as suas reclamações.

Imaginando no percurso, que a Renard só poderia estar ficando louca ao enviar uma cientista na companhia da tropa naquela missão, pois, Éliphas não só tinha certeza que ela os atrapalharia, como também se colocaria em constante perigo. Conhecia muito bem os membros do corpo de investigação do império, afinal, a sua irmã fazia parte daquele grupo de malucos. Sempre fazendo de tudo em prol da ciência, inclusive se pondo em risco nas mais improváveis situações. Além disso, Éliphas já havia estourado a sua cota de preocupação com cientistas, quando fora obrigado a escoltar um biólogo chamado, Aaron Wynch, em sua pesquisa maluca sobre a bio-diversidade, que quase resultou na morte de ambos é de boa parte de seus subordinados. Não iria se envolver numa situação semelhante, nem mesmo sob as ordens da dama de ferro do exército.

Não mesmo! Comprimiu os lábios numa linha rígida de insatisfação e parou próximo a porta da sala da general, batendo levemente sobre a mesma é respirando fundo, antes de ingressar no local. Que para a sua frustração se encontrava vazio, sem sinal da Renard em parte alguma do cômodo, droga! Sempre que preciso conversar com ela, ela some! Suspirou, decidindo deixar o ambiente e retornar apenas mais tarde, quando num momento de distração, deu de cara e esbarrou numa figura feminina que ingressara no local. — Oh! Merda! Me desculpe… — Balbuciou rapidamente, encarando com enorme surpresa o nome familiar descrito sobre o crachá de identificação em seu uniforme. “Evelyn Schröder”, leu rapidamente, tentando lembrar de onde conhecia esse sobrenome. Já que ele lhe era bastante familiar, então, num ínfimo segundo, inúmeras memórias inundaram a sua mente. Lembrando que “Schröder” era um sobrenome impossível de ser esquecido por ele, uma vez que pertenceu a Lyserith, sua amada e falecida noiva. Sendo assim, aquela jovem a sua frente, com toda certeza era uma parente dela.

Talvez uma prima? Pois, mesmo que houvesse tido relacionamento duradouro com a Schröder durante quase toda a adolescência, Éliphas nunca chegou realmente a conhecer a sua família, na semana que ocorreria tal encontro, ela foi assassinada, morta por imperfeitos há alguns metros do portão de El Diablo. — Schröder… Conheço esse sobrenome. — Divagou, erguendo o seu olhar sobre a face feminina e sentindo a sua postura vacilar, assim como os seus olhos se arregalarem pasmos com a visão. Ela é… Ela é idêntica a Lys! Pensou, com alguma emoção profunda e indescritível queimando sobre o seu peito e dominando a sua mente, no momento, instável. Transformando-o no que ele mais temia, uma confusão mista de sentimentos que poderiam levá-lo a ruína. Não era possível que ambas fossem tão parecidas, cada traço físico semelhante, embora a jovem a sua frente parecesse possuir uma expressão mais audaciosa e menos compassiva. Éliphas perturbado, recuou alguns passos e sentou sobre uma poltrona, estático com a situação, especialmente com a semelhança entre aquela jovem é sua falecida noiva.

— A general Renard não está… — Comentou, encarando as suas mãos levemente trêmulas, à medida que gotículas de suor surgiam sob os vincos rígidos em sua testa. Ele encarou novamente a Schröder e suspirou, sem saber como reagir ou se comportar. Imaginando que provavelmente estava passando a imagem de louco para ela, uma vez que a mesma nem deveria conhecê-lo. Contudo, como ele iria conseguir se conter perante a imagem fiel de um amado fantasma do seu passado?

Os momentos foram se passando e Éliphas começou a se sentir um pouco mais calmo, embora, surpreso com a notável semelhança entre a quela jovem e a sua falecida noiva. Ele mal conseguia a encarar fixamente por um pequeno período, sem que a sua mente fosse tragado para a imagem e lembrança de Lyserith. Não, Crowley! Você não pode começar a pensar nela novamente… Meneou a cabeça levemente e suspirou, lembrando-se que quase sucumbiu a solidão e a depressão por causa dessa perda, não permitiria que o seu passado retornasse para assolar o seu futuro. Tais lembranças e os sentimentos derivados das mesmas, foram substituídos pela determinação e dedicação que aplicava em sua tropa. Foi assim que se tornou o mais jovem capitão de sua época, também um militar respeitado e reconhecido no Império de Weingarten.

Não iria deixar a sua mente ser capturada pelas memórias e as dores que fizeram parte do seu passado, voltarem a corroer a sua mente e espírito, afinal, Lyserith estava morta e enterrada, é àquela jovem não passava de uma sósia mal-educada. Mesmo em seu momento de perturbação mental, ele não deixaria passar batido a falta de cortesia demonstrada pela mesma, com relação a seu pedido de desculpas. — Estou bem, não preciso de médico. Apenas pensei ter visto um fantasma do passado, nada realmente sério. E sim, você é muito baixinha, por isso não te vi quando esbarrei em você. — Encarou a mesma com uma expressão completamente diferente da anterior, no momento. Não deixando de incutir um pouco de sarcasmo no “baixinha”, como uma retaliação silenciosa as primeiras e irônicas palavras expressadas por ela, logo quando ingressou naquela sala e a ínfima situação entre ambos se iniciou.

— E penso que não te conheço, embora, o seu sobrenome me seja bastante familiar. Sou Éliphas Crowley, capitão da tropa expedicionária. — Balbuciou, respondendo a sua pergunta e aproveitando também para se apresentar, imaginando o quão estranho era ela não o conhecer, uma vez que basicamente todos os militares e funcionários de Le Ange, conheciam os capitães e tentes de cada uma das três forças do exército. Talvez ela seja uma recruta? Questionou-se, esboçando um pequeno e sútil sorriso, enquanto pensava em que área alguém como ela poderia ter sido atribuída, já que o seu físico não era lá grande coisa. Só esperava que não tivesse sido expedicionária, pois, ele não tinha tempo para servir de babá. Um sorriso acintoso surgiu sobre os lábios do Crowley e ele encarou a jovem de cima a abaixo, analisando os seus atributos físicos com mais precisão. Chegando brevemente a uma única conclusão.

Baixinha e franzina… Deve possuir uma habilidade é tanto! Se não, não estaria aqui. Ponderou, aproveitando para checar no processo, se ela não tinha se machucado naquele esbarrão, pois, se ela era baixinha e incapaz de machuca-lo naquela situação. Ele, por outro lado, possuía uma estatura e um porte físico considerável, poderia tê-la machucado com toda certeza. — Você não me machucou, mas será que eu não te machuquei? — Arqueou uma sobrancelha, preocupado que o tivesse feito. Merda! Onde diabos ando com a cabeça? Esperou a resposta da menor.

Ainda que minimamente perturbado com a sua imagem, sempre que encarava a sua face. A semelhança entre elas, era absurda e realmente incrível, mesmo que aparentemente ambas não tivessem nenhuma ligação, pelo menos era o que pensava. Todavia, o sobrenome… Éliphas cerrou os olhos e voltou a menear a cabeça, abrindo-os posteriormente e focando os seus orbes azulados e astutos na jovem, com a expetativa de que ela estivesse bem.

O Crowley apenas observava a jovem com uma expressão de curiosidade, mantendo uma sobrancelha levemente arqueada e um pequeno, e sútil sorriso sobre os lábios, dada a tamanha preocupação apresentada pela mesma. Não tinha sentido nenhum mal-estar físico, embora, trêmulo e perturbado. Éliphas, como mencionado anteriormente, apenas tinha sucumbido a angústia e a deprimente sensação de perda, por causa das inúmeras e trágicas memórias do seu passado. Um suspiro pesaroso escapou por entre os lábios róseos do Crowley, à medida que ele assistia a morena checar a sua temperatura corporal, sob o breve toque cálido de seus dedos. Imaginando no processo, que mesmo se estivesse sentado a jovem pareceria menor do que ele, assim como demasiadamente delicada. Um passo em falso é ele provavelmente seria capaz de quebra-la em cacos incapazes de serem colados, mas isso é claro, não passava de uma pensamento aleatório de sua mente.

Havia acabado de esbarrar na mesma com toda a sua alta estatura e porte físico, e ela parecia em muito melhor estado do que ele. Inquebrável é sem machucados — fugindo da sua linha de pensamento sobre ser capaz de quebra-la —, Éliphas revirou os olhos com sarcasmo, em detrimento a seu comentário, e respirou profundamente. Pensando em que contexto alguém como ele poderia ser capaz de bancar um “machão”, afinal, bastava olhar para ele para concluir que o homem era um exemplo de masculinidade e coragem — pelo menos era o que ele achava de si mesmo —, ele cruzou os braços e bufou levemente irritado, como uma criança ofendida. — Estou bem, você não seria capaz de me machucar nem se quisesse. — Comentou, com uma pitada de ironia, observando se afastar, distraída com as informações reveladas por ele.

Talvez duvidando que ele fosse realmente o capitão da tropa expedicionária, certo? Não, isso não seria possível! O Crowley era muito conhecido por seu trabalho a frente da tropa expedicionária, ela apenas deveria ser uma figura muito desinformada, por não conhecê-lo. Todavia, o que chamou a atenção do capitão Crowley, foi o comentário seguinte da jovem sobre os membros de sua família que fizeram parte da tropa, seus pais e sua irmã mais velha. Ignorando a parte sobre o irmão cientista, mas não por opção, é sim pelo demasiado interesse que surgiu sob a sua irmã falecida. Já que, no fundo, no fundo, algo no consciente de Éliphas lhe dizia, que o sobrenome “Schröder”, aquela jovem e sua falecida noiva não se tratava apenas de uma coincidência, mas de uma situação em que pontos de ligavam. Principalmente depois da informação sobre a irmã mais velha, membro da tropa é falecida.

Contudo, mesmo curioso e interessado em descobrir se tudo era uma coincidência ou não, Éliphas meneou a cabeça levemente e optou por ignorar os fatos, preferindo manter o silêncio e conter a sua curiosidade, a ser inconveniente com questionamentos sobre o passado familiar da jovem. — Entendo, somente fiquei balançado com o sobrenome é com a sua aparência, muito semelhante a uma figura importante do meu passado, que infelizmente já faleceu. Desculpe-me. — Retribuiu o seu sorriso, embora, notando o quão forçado e triste o mesmo se mostrava, entretanto, também satisfeito por não ter feito questionamentos inconvenientes sobre a sua família, tampouco sobre sua irmã.

Uma vez que era praticamente visível sob a expressão feminina, que tal assunto era um tabu em sua vida. Éliphas adotou uma expressão suave, simpática a morena e a observou por mais alguns instantes, tentando não associa-la mais a Lise. Gargalhando roucamente em seguida, diante do seu comentário sobre estar bem, do contrário teria machucados dignos de um atropelamento por parte de um cavalo. Animal que em questão, só podia estar sendo associado a sua pessoa. Àquela jovem possuía uma mente astuta e uma língua muito afiada.

— Que bom! Não queria vê-la machucada, como uma coelhinha ferida. — Balbuciou em resposta a seu comentário, pensando que qualquer machucado relacionado a ela deveria ser visto como um caso quase mortal, contudo, lembrando-se rapidamente que ela estava bem e parecia ser mais dura na queda do que ele, mesmo com suas privações físicas. Entretanto, às palavras seguintes da morena, mudaram completamente a atmosfera no ambiente, Éliphas, agora passou a encara-la com uma expressão carrancuda, voltando a estudar ela de cima a baixo com certa irritação.

Ela não podia ser a maldita cientista que o tinha trazido àquela sala, podia? Não, talvez fosse apenas uma nova receita para a sua tropa. — Como assim? Você é uma nova recruta da tropa? Não é possível, não recebi nenhuma mensagem sob o ingresso de novos soldados. À menos que… — Éliphas estreitou o olhar para a jovem, cerrando os lábios numa linha ríspida por alguns segundos. — Você é a cientista que está com uma ideia maluca de nos acompanhar numa missão? — Questionou, pronto para iniciar uma discussão sobre os perigos, existentes nas expedições da tropa para fora do império.