Havia um movimento suspeito naquela mata verdejante e fechada. Os campos de Vlitra eram ótimos para passeios, onde casais apaixonados viviam se esgueirando para lá para passeios românticos, piqueniques e, claro, transar. Judith e Kalih eram o epítome do jovem apaixonado e tolo. Sendo a garota dona de seu próprio comércio e com pais controladores e o rapaz um mero traficante em El Diablo, os dois eram o famoso clichê do casal que não podia permanecer junto. Romeu e Juliet do século vinte e três. Mesmo assim, o amor nasceu da mera rebeldia, e agora os dois rolavam como animais no cio, fodendo vigorosamente por cima do pano verde que se camuflava dentre a vegetação.

Passos farfalhavam próximo deles, caminhando tranquilamente, mas sequer eram ouvidos pelos dois coelhinhos alegres e excitados. Por cima do rapaz, a garota parecia animada, sorrindo e gemendo, até que seus olhos negros se arregalaram e, olhando para baixo, o rapaz viu a lâmina da foice transpassando o peito da mulher, respingos de sangue sujando sua face e peitoral suando. Sobressaltado, o homem gritou, tentando desvencilhar-se do cadáver, arrastando-se pelo chão. Antes mesmo de poder reagir, a foice atingiu seu pulso esquerdo, arrancando sua mão no processo e tingindo o gramado de vermelho. Com um berro de aflição, o rapaz teve seus fios negros puxados, enquanto sua cabeça era arrancada com cortes incisivos e ruidosos, o som da carne sendo rasgada.

Basicamente, essa era a vida do Homem-Espantalho. Ele vivia sempre caçando vítimas para o sacrifício. De alguma forma, aquela criatura sem sangue e constituída de palha era uma das personalidades mais macabras de Valentin, deturpando o amor infantil que o soldado tinha por aqueles campos. Ele sempre visitara aquele lugar desde criança, mas não o espantalho; não, essa fera abissal e monstruosa matava o máximo de pessoas que podia, sacrificando-as – na sua mente de raciocínio limitado, ele via aquilo como a única forma de salvar os campos de Vlitra. Terminando de arrancar a cabeça do rapaz, eis que uma presença pôde ser sentida. Virando-se, o espantalho viu uma moça. Era bonita, lhe encarava e o monstro devolvia a mesma curiosidade – apesar de seu rosto ser um saco de batatas com olhos de botões e boca feita de grãos colados, mas que enganava a todos; pois a mesma podia abrir e comer pessoas, se necessário.

— SACRIFÍCIO! — com uma cabeça numa mão e na outra uma foice, o Homem-Espantalho gritou, sua voz distorcida com um milhão de gritos ao fundo. Ele atirou o membro decepado aos pés da garota, olhando-a com a cabeça pendida. Ela era diferente, pensava a criatura, se é que o pensamento era seu mesmo. Ela poderia ajuda-lo a conseguir mais almas?